Bandeiras II
Trancrição de parte de um texto de José Neves no Público que conseguiu exprimir parte do meu desconforto com as bandeiras à janela.
"A recente euforia nacionalista que se vive em Portugal à boleia do futebol tem suscitado muitos louvores e algumas críticas. Interessa aqui, sobretudo, a parte das críticas. Em regra, as críticas feitas reproduzem a ideia do "bom" e do "mau" nacionalismo. Para vários críticos, o problema que encontram é a imensidão de bandeiras à janela. Em linha de fundo, para esses críticos, o "bom" nacionalismo seria o nacionalismo sem futebol e o "mau" nacionalismo seria o nacionalismo do futebol. O problema que encontram não é tanto o das bandeiras, mas o facto delas terem por motivo o futebol. O futebol enquanto elemento da cultura popular massificada coloca aqui aos críticos a dificuldade em lidar com um elemento popular pouco "tradicional".
3. O problema que verdadeiramente interessa não é o facto das bandeiras nacionais estarem colocadas às janelas do país por ocasião do futebol. O problema é, sim, o facto das bandeiras nacionais estarem colocadas. É o mesmo problema de quando, por ocasião da atribuição do Nobel a Saramago, os críticos mais cosmopolitas darem laudas à vitória da lusofonia e da língua portuguesa. O meu problema não é pois com o "mau" ou o "bom" nacionalismo. As fronteiras entre um e outro são demasiado frágeis para que se possa condescender minimamente com qualquer um deles.
4. A euforia que agora se vive em tempo de Euro 2004 não é apenas uma síndrome do vírus nacionalista. Na verdade, a ideia da nação articula-se quer com a vontade cultural de uma alteridade, quer com o desejo de uma imagem de comunidade. Ela alimenta-se da vontade de diferença e da necessidade de fraternidade que muitos de nós sentimos. É com estas marcas da paisagem humana que a nação se joga e é nestes sentimentos que está incrustada. Contudo, são também estas marcas que desde logo corrói. E corrói antes de mais por dois caminhos: 1) a proposta de alteridade nacional é a proposta de uma alteridade irredutível, isto é, a totalidade de uma identidade - os "portugueses são assim", os "portugueses são assado". 2) a proposta de comunidade nacional é a de uma comunidade eterna - "nasce-se português, morre-se português".
5. O problema das bandeiras nacionais é que elas marcam um território, dominam a diversidade de comunidades que submetem e limitam as possibilidades de relação com comunidades para lá e para cá das fronteiras desse mesmo território. Essa dominação e essa limitação são fruto da bandeira portuguesa que se agita euforicamente no estádio do futebol, mas também da bandeira portuguesa que fomos "esquecendo" na cidade diária, à porta da escola como da sede do partido. É dessas bandeiras "esquecidas", desse "bom" nacionalismo que subtilmente nos nacionaliza, que se levantam as bandeiras que agora inundam o país e o campo do futebol. É na "unidade nacional" dos discursos políticos ou na promoção da lusofonia pelos intelectuais que o mundo se começa a tornar pequenino e rectangular como o território nacional. É aí que a vida se torna rectangular, pequenina e apertada. A nação, então, já não é esperança para qualquer procura romântica de comunidade e de alteridade, mas revela-se sim como ode ao cinzento dos tristes, testemunhada por Durão Barroso no fim do jogo entre a Espanha e Portugal, dando-nos conta daquele como "o dia mais feliz da minha vida". "
"A recente euforia nacionalista que se vive em Portugal à boleia do futebol tem suscitado muitos louvores e algumas críticas. Interessa aqui, sobretudo, a parte das críticas. Em regra, as críticas feitas reproduzem a ideia do "bom" e do "mau" nacionalismo. Para vários críticos, o problema que encontram é a imensidão de bandeiras à janela. Em linha de fundo, para esses críticos, o "bom" nacionalismo seria o nacionalismo sem futebol e o "mau" nacionalismo seria o nacionalismo do futebol. O problema que encontram não é tanto o das bandeiras, mas o facto delas terem por motivo o futebol. O futebol enquanto elemento da cultura popular massificada coloca aqui aos críticos a dificuldade em lidar com um elemento popular pouco "tradicional".
3. O problema que verdadeiramente interessa não é o facto das bandeiras nacionais estarem colocadas às janelas do país por ocasião do futebol. O problema é, sim, o facto das bandeiras nacionais estarem colocadas. É o mesmo problema de quando, por ocasião da atribuição do Nobel a Saramago, os críticos mais cosmopolitas darem laudas à vitória da lusofonia e da língua portuguesa. O meu problema não é pois com o "mau" ou o "bom" nacionalismo. As fronteiras entre um e outro são demasiado frágeis para que se possa condescender minimamente com qualquer um deles.
4. A euforia que agora se vive em tempo de Euro 2004 não é apenas uma síndrome do vírus nacionalista. Na verdade, a ideia da nação articula-se quer com a vontade cultural de uma alteridade, quer com o desejo de uma imagem de comunidade. Ela alimenta-se da vontade de diferença e da necessidade de fraternidade que muitos de nós sentimos. É com estas marcas da paisagem humana que a nação se joga e é nestes sentimentos que está incrustada. Contudo, são também estas marcas que desde logo corrói. E corrói antes de mais por dois caminhos: 1) a proposta de alteridade nacional é a proposta de uma alteridade irredutível, isto é, a totalidade de uma identidade - os "portugueses são assim", os "portugueses são assado". 2) a proposta de comunidade nacional é a de uma comunidade eterna - "nasce-se português, morre-se português".
5. O problema das bandeiras nacionais é que elas marcam um território, dominam a diversidade de comunidades que submetem e limitam as possibilidades de relação com comunidades para lá e para cá das fronteiras desse mesmo território. Essa dominação e essa limitação são fruto da bandeira portuguesa que se agita euforicamente no estádio do futebol, mas também da bandeira portuguesa que fomos "esquecendo" na cidade diária, à porta da escola como da sede do partido. É dessas bandeiras "esquecidas", desse "bom" nacionalismo que subtilmente nos nacionaliza, que se levantam as bandeiras que agora inundam o país e o campo do futebol. É na "unidade nacional" dos discursos políticos ou na promoção da lusofonia pelos intelectuais que o mundo se começa a tornar pequenino e rectangular como o território nacional. É aí que a vida se torna rectangular, pequenina e apertada. A nação, então, já não é esperança para qualquer procura romântica de comunidade e de alteridade, mas revela-se sim como ode ao cinzento dos tristes, testemunhada por Durão Barroso no fim do jogo entre a Espanha e Portugal, dando-nos conta daquele como "o dia mais feliz da minha vida". "
<< Home