sábado, abril 09, 2005

Aborto

Defendo o aborto. Chamem-me assassino se quiserem, não me interessa. Também não acho que a lei como está seja muito má. Se acrescentassem às excepções da lei a menoridade da mãe, isso seria satisfatório para mim.

Mas não tolero de todo a hipocrisia. A conversa dos pró-vida acerca da educação sexual, que na realidade nunca defendem. Veja-se o João César das Neves por exemplo. A educação sexual está legislada há 20 anos e é uma das razões que é dada para não liberalizar o aborto, mas onde é que existe verdadeiramente? Eu nunca a tive na escola. Tenho a certeza que estes senhores seriam os primeiros a retirá-la da lei se isso não servisse os seus interesses. Assim têm uma arma contra a legalização do aborto, segura porque é relegada para a esfera do privado pelo facilitismo e deixar andar portugueses.

Depois convém ver quem é que é julgado pelo crime de aborto. Não vou entrar pela angústia que estas mulheres sofrem ao fazer um aborto. Tenho a certeza que pelo menos para a maioria será uma decisão difícil e que muitas foram vítimas de uma cultura de submissão e ignorância, ou de acidentes inevitáveis, mas também acredito na responsabilidade individual e no dever de assumirmos as consequências dos nossos actos, e a contracepção é bem mais simples, segura e económica que o aborto. Só que quem está nos tribunais a ser julgado são aqueles que não puderam ir a outros países abortar em condições de segurança higiene e legalidade, fora da jurisdição da polícia portuguesa. Neste sentido a liberalização do aborto seria um incentivo ao investimento na educação sexual.

Também não sei até que ponto se fossem os homens a suportar o ónus da gravidez (tudo o resto sendo igual), o aborto seria crime. Até há bem pouco tempo metade das gravidezes terminava na morte do feto ou da mãe. E até há bem menos tempo um homem conseguia facilmente escapar à paternidade (com dinheiro e um bom advogado ainda hoje em dia consegue). Quando dizem que ao abortar uma mulher pode ignorar os desejos do pai, o que quanto a mim é um dos bons argumentos contra a liberalização do aborto, deviam lembrar-se destes factos e de que ainda são as mulheres maioritariamente responsáveis pelo cuidado e educação das crianças.

Outro argumento que me irrita é o de que é uma vida que é arrancada do ventre da mãe. Uma mulher tem à nascença cerca de 6 mil milhões de ovos não maturados nos ovários, uma porção significativa dos quais morrerá até à puberdade, e os restantes na menopausa, exceptuando cerca de 40 que maturarão completamente, e dos quais será fertilizado talvez meia dúzia, dos quais quatro não deverão conseguir fixar-se às paredes uterinas não constituindo portanto uma gravidez (ainda que tendo havido fertilização e portanto concepção). Ou seja a existência de uma mulher é um genocídio, apenas minorado pelos milhares de espermatozóides sacrificados por um homem em cada ejaculação. Se nós definimos o fim da vida enquanto o fim da actividade cerebral porque não definir o seu início da mesma maneira. E se tivesse sido eu arrancado do ventre da minha mãe? E se eu fosse o óvulo que nunca maturou ou o espermatozóide que chegou atrasado? E se o céu fosse vermelho e a humanidade nunca tivesse aparecido?

A liberalização do aborto não é o mesmo que a sua moralidade, nem implica a obrigatoriedade da sua realização.

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