terça-feira, abril 26, 2005

Inteligência, Dimorfismo Sexual e Discriminação

Nos últimos dias saíram mais uns estudos sobre as diferenças de inteligência entre homens e mulheres. No habitual estilo da imprensa portuguesa não dão qualquer informação de jeito e não consegui encontrar o estudo, mas o mais importante é mesmo o teor da noticia.

Para começar devo avisar que estes estudos fazem-me comichão. São frequentemente preconceitos ideológicos miscigenados com estudos estatísticos interpretados de maneira a justificar esses mesmos preconceitos. Como disse Mark Twain:
Lies, Damn Lies and Statistics.

É bastante óbvio que homens e mulheres são diferentes e nenhum cientista digno desse nome põe isso em questão ou anda a tentar provar isso. Mas o modo como muitas vezes estas descobertas são noticiadas parece feito de modo a apresentá-lo como uma grande novidade, e também como um argumento de autoridade.


Repare-se neste excerto:
"Para além do tamanho (o cérebro do homem é cerca de dez por cento maior), há distinções morfológicas, metabólicas e funcionais”.
O que é aqui dito de novo. Nada, mas é omitido um dado importante. Esta diferença de 10% pode ser explicada pela diferença de tamanho dos corpos.

Já neste excerto estão duas ideias muito importantes:
"(...)”As mais recentes descobertas "estão a caminho de provocar uma revolução no ensino", no sentido em que "o aproveitamento das habilidades naturais de cada sexo poderá ajudar a uma diversidade maior de competências e a melhores qualificações em áreas específicas" (...)".
Por um lado a ideia falsa que isto é revolucionário, quando é algo que qualquer professor competente e interessado faz intuitivamente e a ideia perigosa de perspectivar a educação de uma forma funcionalista ao orientar o desenvolvimento de competências de acordo as aptidões fisiológicas do aluno. Esta última ideia parece-me especialmente perigosa pelo efeito ao mesmo tempo discriminador e conformador que pode ter. É discriminadora porque assume uma uniformidade no interior dos grupos que é falsa ou pelo menos bem menor do que é afirmado, e pode criar um ambiente conformador no seio do qual a rebeldia, a criatividade, a inovação e a iniciativa são reprimidas.

Estas “provas científicas” são depois a base justificadora de argumentos do tipo “não vamos tratar da mesma maneira o que é diferente” para justificar a discriminação. Por exemplo: As mulheres serão sempre mais lentas que os homens. Deve-se a encefalização do feto humano que causou a necessidade de entre outras coisas alterar a forma da bacia feminina tornando o seu movimento menos veloz.
Vamos por isso obrigar as mulheres a ficar em casa a ter filhos e proibi-las de praticar os 100 metros? É que eu tenho a certeza que apesar do meu corpo estar melhor desenhado para a corrida há muitas mulheres mais velozes do que eu.

Repare-se na não muito longínqua ideia das cotas masculinas para medicina. Como é que as mulheres com a sua menor aptidão para a matemática estão a ocupar a maior parte das vagas em medicina? Não estaremos a perder demasiadas professoras? E porque é que há tantos escritores? São os burros que não conseguiram ser engenheiros?

O problema que aqui se apresenta parece-me em grande medida um resultado duma visão economicista do mundo, a ideia que uma coisa só faz sentido se apresentar resultados imediatos e palpáveis para ser feita. A ideia que a educação serve para criar mão de obra.

Esquecem-se que a mudança é talvez a única coisa permanente no mundo que o que agora pode parecer pouco importante pode passá-lo a ser e vice-versa.
Esquecem-se que o mundo não está dividido em categorias facilmente arquiváveis e que a excepção é frequentemente a regra.

O Instituto da Inteligência tem um Blog em Português

Aconselho a leitura do livro The Mismeasure of Man de Stephen Jay Gould, principalmente a edição mais recente, 96 se não me engano. A temática tem precisamente a ver com isto ainda que aplicado aos Estados Unidos onde a tónica está nas diferenças raciais.