terça-feira, novembro 02, 2004

Retirado da Grande Loja do Queijo Limiano:

A juíza Conceição Oliveira absolveu hoje a jovem levada a tribunal sobre a acusação de aborto, justificando que não foi feita prova de que houvesse intenção abortiva na toma de medicamentos que levaram à destruição e posterior expulsão do feto. Ainda bem que assim foi. Dir-se-à, como se gosta de ouvir, que foi feita justiça.

O drama maior é saber que se em vez da Conceição Oliveira tivesse sido outro juiz, a jovem podia estar neste momento a caminho da prisão de Tires para o cumprimento de pena. O Ministério úblico, é verdade, acompanhou a decisão da magistrada e o caso transita em julgado por falta de recurso. O que em boa verdade tipifica desde logo o crime como não sendo um caso de homicídio (estes, têm recurso obrigatório) e deita por terra as posições daqueles que hipocritamente defendem que o “ser” tem personalidade jurídica a partir do momento da concepção.

Espero (e se bem conheço a Dra. Conceição, ela não se ficou pela absolvição, tout court) que a juíza tenha fundamentado a sua decisão. E, pode ser aí que esteja o case study para a magistratura portuguesa. Um verdadeiro tratado que leve, de uma vez por todas, a assumir que a despenalização do aborto até às 12 semanas (neste caso nem sequer se sabia quantas semanas por ali andavam) tem de ter letra de forma na lei portuguesa.

Sabe-se hoje que a jovem levada a tribunal tinha 17 anos quando tomou os comprimidos (a partir de hoje dizer que a jovem abortou imputando-lhe uma prática legalmente censurável deixa de fazer sentido), era de condição humilde e vivia pauperrimamente.

Sabe-se, por isso, que ela não podia fazer parte daquele lote de “tias” que evitam os contraceptivos ora porque os condoms atrapalham, ora porque fazem engordar e estragam a linha. E, sabe-se, por isso, que lhe seria difícil deslocar-se em romaria a Londres onde, no meio de umas compras em Oxford Street, se dá um pulinho a Marble Arch para se deitarem na marquesa.

Sabe-se, a partir de hoje, que se quiserem – e só é pena não haver recurso porque invalida a fixação de jurisprudência – os juízes portugueses podem sempre argumentar e sustentar uma sentença de absolvição recorrendo ao expediente usado pela Dra. Conceição Oliveira.

“Sãozinha”: prestou hoje um serviço melhor às mulheres que as dezenas de manifestações caducas que se fazem por alturas de julgamento; Fez mais a menina hoje pelos direitos das mulheres portuguesas que qualquer emperdenida deputada na Assembleia; conseguiu, com a sua decisão, mostrar que a maioria que nos governa é tão frágil, tão frágil, que bastou meia hora de escrita sua para derrubar o seu fanatismo – por obra e graça de obediência a uma minoria que sustenta este governo.

Não sei se era disto que Daniel Sampaio falava quando pedia, em carta aberta publicada n'A Capital, que derrubássemos, este Governo. Se não era, convença-se, meritíssima, que pelo menos, com a sua decisão, os atingiu onde dói mais: exactamente no sítio onde lhes falta qualquer coisa: o cérebro.

À menina já tinham tirado segurança pessoal. Não sei se o nosso ministro da Defesa, que mobilizou uma corveta para vigiar o Borndiep terá coragem para lhe enviar qualquer MDLP refundido para a assustar. Logo se verá nas litigâncias que se seguem e na sua progressão na carreira. Quando vier a Inspecção logo se verá que nota lhe dão. É que isto tem custos. E a menina sabe que tem. E eles sabem que têm a faca e o queijo na mão. Não têm, José Pedro?

Il assessore