terça-feira, março 29, 2005

Génese de um agnóstico

Fui criado no seio de uma família católica, ainda que o meu pai nem de perto nem de longe ligue o que quer que seja à religião e a minha mãe vai pelo mesmo caminho. Fui baptizado, e por volta dos seis anos, por insistência da minha avó fiz um mês de catequese, até que recomeçaram as aulas e acabou tudo por aí.
Tal como a maior parte dos portugueses considerava-me um católico não praticante, com muitas dúvidas acerca da existência de Deus, o que “funcionou” bem até aos meus 19 anos altura em que quanto mais conhecia quer das escrituras, quer dos preceitos do catolicismo começo a entender que não pode haver um católico não praticante. Quanto muito há um católico relapso dado que o catolicismo é definido precisamente pela aderência e prática dos sacramentos. E se esta epifania já me empurrava na direcção do agnosticismo no final de 2000 fui definitivamente convertido a este enquanto assistia a um casamento oficiado por um dos nossos bispos. Sem querer dar pormenores basta dizer que no mínimo o sermão foi bastante misógino entre outras coisas. A partir desse momento tive a certeza que não só duvidava da existência de Deus, mas que não podia definitivamente transigir com a igreja católica.

No entanto também ficou bem claro que não me considerava ateu. Duvido da existência de deuses, sou bastante anti-clerical, mas o ateísmo puro parece-me uma posição demasiadamente dogmática, demasiado próxima daquilo que combate, como diz Salman Rushdie n’Os Versículos Satânicos:
“Pergunta qual é o contrário da fé?
Não é a descrença. Demasiado definitiva, segura, fechada. Ela própria uma espécie de fé.
A dúvida.”

Este excerto define na sua essência o meu pensamento. Não posso afirmar a inexistência de deus nem ninguém o pode fazer porque á partida deus é icognoscível. Tenho muitas razões para ser céptico quanto à sua existência mas não a posso negar totalmente tal como a ciência não o pode fazer. E quando alguns apelam à ciência enquanto prova da sua inexistência relembro as palavras do cientista agnóstico (na realidade o criador do termo agnóstico nos seus sentidos modernos) Thomas Henry Huxley:
“O antagonismo entre ciência e religião, de que tanto ouvimos falar afigura-se-me puramente artificial, fabricado, por um lado pela tacanhez das pessoas religiosas que confundem... teologia com religião, e por outro, por pessoas científicas igualmente tacanhas, que se esquecem que a ciência toma por seu domínio apenas aquilo que é susceptível de compreensão intelectual inequívoca.”
O argumento de Huxley é impressionante na sua simplicidade, e retira imediatamente o interesse científico na discussão da existência de deus ao mesmo tempo que retira da ciência a influência da religião.